Testemunho de uma vida quotidiana

2° ENCONTRO INTERNACIONAL DOS RESPONSÁVEIS REGIONAIS
Roma, 24-29 de Janeiro de 2009


Testemunho de uma vida quotidiana
Michel e Sonia Jeangey – 26 Janeiro 2009
 
 
 
Foi no domingo de Páscoa de 1974 que o amor nasceu no coração de Sônia e no meu. Foi para mim um grande dia. Conheci-a na escola Imam (Fé). A Sônia era para mim o ideal de moça que eu procurava. Os seus olhos claros e os cabelos castanhos, o seu rosto iluminado por um sorriso franco inspiravam aos meus olhos um encanto que não deixava de me invadir.
 
Mas esse amor não se baseava apenas em sentimentos emocionais. Para além da atração física, descobria na Sônia toda uma gama de qualidades que me confirmavam ter feito a escolha certa.
 
O seu caráter, caloroso, autêntico, sem malícia nem hipocrisia. O seu olhar, franco, direto, sem fingimento. A sua personalidade simples, silenciosa, discreta, forte, equilibrada e alegre. A sua fé pessoal, profundamente enraizada nos ensinamentos da família e da Igreja dá-lhe força e convicção.
 
A sua formação, literária como a minha. A Sônia tem um acentuado gosto pela literatura e curiosidade intelectual.
 
Os seus pais, cristãos comprometidos na sua fé quotidiana, ensinaram-lhe a fidelidade a Deus, a vida de família, o amor pelo trabalho bem feito.
 
A Sônia é de Alepo, como eu, gosta de sol e da vida em grupo. É simples e natural e não gosta do que é artificial e sofisticado.
 
Em maio, anunciei aos meus pais o meu amor pela Sônia. No fim de junho, acompanhado dos meus pais, fui pedir a mão de Sônia aos pais dela. A Sônia preparou o café oriental e, ao bebê-lo, demo-nos conta de que o café tinha açúcar, sinal de que os pais dela estavam dispostos a dar-me a mão da sua filha. É aquilo a que os armênios chamam khosgab, o vínculo à palavra dada.
 
Num serão no início do verão, os nossos pais decidiram, para nossa grande alegria, que celebraríamos o nosso noivado no princípio do outono, pouco antes da minha partida para Lyon.
 
Em Lyon, esperava com impaciência cada uma das suas cartas. Queria saber como passava os dias: na escola, em família, com os amigos, na igreja... Queria saber os sentimentos que a habitavam: as suas alegrias e as suas dores, os seus sonhos, as suas expectativas...  Interessava-me tudo o que de perto dizia respeito à sua vida, ao seu caráter, à sua pessoa. Dizer o seu nome, poder imaginá-la ao meu lado, pensar nela, enchia-me de alegria e de felicidade. Um bem-estar tinha de repente invadido todo o meu ser, desde que Sônia tinha entrado na minha vida. Quando recebia as cartas dela, respondia logo no mesmo dia. Guardamos esta longa correspondência, como uma corrente de ouro em que cada elo nos aproximava cada vez mais um do outro. Nunca tinha imaginado que o fato de estar apaixonado pudesse transformar toda a minha vida.
 
O dia 8 de agosto de 1976 ficará inesquecível, dia do nosso casamento, em que as nossas vidas se uniram para sempre diante de Deus e dos homens. Casados! Finalmente casados! A alegria e o júbilo tinham-se transmitido aos nossos pais, aos nossos irmãos e às nossas irmãs, aos nossos tios, aos nossos primos e a todos os nossos amigos. Daí em diante seríamos um só ser!
 
É em Lyon, numa residência calma e confortável do bairro de Montchat, que vamos construir a nossa vida de casal. Michèle, a nossa primeira filha, nascerá a 3 de outubro de 1977. Michèle é para nós a manifestação daquela certeza que tínhamos desde o início do nosso amor e recorda-nos o início do nosso casamento que, segundo a sua promessa, Deus está conosco para nos ajudar a construir um novo lar feliz e próspero.
 
A 7 de setembro de 1978, Deus dar-nos-á de presente Christine. Com o nascimento de Christine, Deus confirmou ser o senhor das nossas vidas, da nossa família, das etapas da nossa caminhada a quatro.
 
Eu mal começava a aprender a ser marido, quando rapidamente, de 1977 a 1978, tinha também ao mesmo tempo que aprender a ser pai de duas lindíssimas meninas que respiravam vida, saúde e felicidade. E, sem dar muito por isso, estava pronto a viver esta fase sem complexos nem inquietações.
 
Certamente, a educação dos meus pais, o exemplo vivo do seu amor, a felicidade simples, mas autêntica, em que eu tinha crescido, levavam-me todos os dias a seguir o seu exemplo. E depois, não estava sozinho nessa tarefa. A Sônia estava ali. Também ela teve o privilégio de crescer numa família sã, equilibrada, em que o pai e a mãe assumiam o seu papel e as suas responsabilidades na harmonia e na complementaridade. Sônia sabia quase instintivamente como ser uma esposa e uma mãe fiel, o que fazia todos os dias, assegurando a cada um de nós o amor e a atenção de que necessitávamos. É certo que, no início do nosso casamento e da nossa vida de família, a minha vida pública absorvia uma parte considerável dos meus dias, das minhas noites e dos meus fins-de-semana. Mas a Sônia sempre garantiu, com a sua presença altiva, que as nossas filhas nunca tivessem falta de nada e se sentissem em segurança.
 
A nossa fé cristã foi muito importante na construção da nossa vida de casal e de família. Os princípios evangélicos, baseados no amor, o serviço mútuo, a solidariedade, a oração, a leitura da Bíblia, o respeito de um pelo outro, o perdão e a manutenção da unidade e da harmonia foram o cimento que consolidou cada fase da construção deste edifício.
 
Desde a infância, as nossas duas filhas gostavam da escola, aonde iam com alegria e com prazer. Não só acumulavam tudo o que aprendiam, mas para elas a escola era o lugar onde viviam a amizade, o que contribuiu para a formação do seu caráter e da sua personalidade. A Igreja, sobretudo com a sua participação na liturgia armênia, dava-lhes oportunidade de enriquecerem os seus conhecimentos de Deus, da Bíblia, de Jesus Cristo, de se comprometerem na vida cristã através de um ato consciente e pessoal.
 
As férias de verão traziam-lhes um equilíbrio que muito apreciavam. Em julho, era a participação na colônia de férias, onde Christine conheceu Giuliano, o seu marido. Em agosto, durante muitos anos, fomos os quatro, em família, à casa de Alepo para conviver com os avós, com os tios e com os primos.
 
Além da alegria dos banhos, dos jogos, dos passeios, isso era para nós a oportunidade de estreitar os laços da nossa família. Durante os primeiros anos de casados, em Alepo, beneficiamo-nos da presença e do afeto dos nossos pais, irmãos, avós, tios, tias e primos, que viviam todos em Alepo e no mesmo bairro. Os nossos filhos estavam assim rodeados de uma grande família, cheia de afeto e de estima.
 
Para as nossas filhas, para a Sônia e para mim próprio, a família foi e continua a ser um ancoradouro indispensável à nossa estabilidade e ao nosso equilíbrio. Foi na família que percebi estas palavras do rei Salomão: Aquele que acha uma esposa acha a felicidade (Pr 18,22). Outro texto da Bíblia tornou-se para mim mais real e mais concreto: Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele (Gn 2,18).
 
Estes dois aspectos da vida de um casal revelam-se cada vez mais um tesouro precioso através da minha família. A presença de Sônia ao meu lado trouxe-me um equilíbrio e uma realização indiscutíveis.
 
Num primeiro tempo, tudo o que tínhamos em comum permitiu-nos construir a nossa casa sobre uma base sólida:
– a nossa fé comum em Jesus Cristo;
– o nosso desejo de servir Deus e o próximo;
– as nossas raízes armênias;
– as nossas raízes alepinas;
– a condição modesta dos nossos pais;
– o nosso gosto pelos contactos e pela vida comunitária.
 
Mas, à medida que nos fomos conhecendo e descobrindo, verificamos que entre nós havia diferenças e até divergências. Depois de um período de lua de mel, em que tudo nos parecia idílico, as nossas diferenças revelaram-se fonte de conflito e de incompreensão. Mas é aí que o nosso amor de um pelo outro tem prevalecido até hoje. Lembra-nos de que ser semelhante não é ser idêntico, de que as nossas diferenças existem não para nos oporem, mas para nos enriquecerem e nos fazerem complementares um do outro. Penso muitas vezes naquele provérbio divertido mas cheio de sentido: “O casamento não é um duelo, mas um duo”.
 
Embora tendo muitas semelhanças, não quisemos cair no amor de fusão. O amor de fusão exige o aniquilamento da pessoa para se fundir num todo (uno), em que cada um dos parceiros perde a sua identidade, a sua liberdade, a sua objetividade, numa palavra, a sua razão de ser. E isso é um erro grave. Porque não podemos dar ao outro se não formos primeiro plenamente nós mesmos. E sermos nós mesmos é sermos únicos, e não um clone. A Sônia é a Sônia e o Michel é o Michel. Os nossos caracteres têm traços diferentes. Quando sou demasiado emotivo e sentimental, a Sônia ajuda-me a dar tempo, a refletir e a analisar. Quando sou demasiado inflamado, ela me ajuda a ganhar distanciamento e a fixar limites. Quando fico triste depois de uma decepção ou por grandes preocupações, ela me escuta com paciência e me ajuda a relativizar os problemas, para eu não cair no pessimismo. Apesar de uma agenda carregada de atividades, ela tem a capacidade (muitas vezes contra a minha vontade) de me convencer a dar um pequeno passeio no parque ou a ir a uma casa de chá para arejar, em sentido próprio e em sentido figurado. A Sônia inspira confiança, pelo seu humor sempre alegre e pela sua discrição. Não reivindica honras e gosta de passar despercebida. Dá sem segundas intenções e sem interesse pessoal. Acontece-me, por vezes, envolvê-la em aventuras e desafios que lhe parecem irrealistas. Depois de uma resistência inicial e de um tempo para o entendimento, empenha-se ao meu lado voluntariamente e de forma solidária. Somos em nossa comunidade um casal cúmplice e complementar. E posso testemunhar que a sua presença e a sua disponibilidade, tanto na vida da Igreja como da comunidade e para a educação das nossas filhas, têm sido um investimento valioso de que vi o precioso fruto.
 
Trabalhamos em casal, em Lyon, no Centro Cultural Armênio, em Saint Cyr no Mont d’Or, e em Roma, na Rádio Vaticano. Frequentamos em casal e em família a Igreja Armênia Católica. Servimos a Deus nas igrejas e nas comunidades armênias em Lyon e em Roma, como formadores e responsáveis (organizadores) e até como cozinheiros.
 
Os nossos filhos têm por nós uma profunda afeição. Através da Sônia, da nossa vida de casal, das nossas duas filhas, que hoje estão casadas (Christine com Giuliano Volpini e Michèle com Garo Avakian), vivo a felicidade de uma grande família,  onde cada um contribui com a sua especificidade para a manutenção dos fortes laços de afeto, de apoio mútuo e de realização. Vemos cada um dos nossos quatro filhos muito felizes, e isso é muito gratificante. Entretanto, esperamos com impaciência a fase de sermos avós. Mas isso será outra página da nossa vida de família.